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Importação de café pelo Brasil nº 2: o caso do café torrado

  • flaviodsette
  • 21 de out. de 2024
  • 6 min de leitura

Atualizado: 23 de out. de 2024



Este é o segundo de uma série de artigos ocasionais sobre o comércio internacional do café e a inserção do Brasil nele. Após analisar a importação de café verde no artigo anterior, agora é a vez de examinar a evolução das importações de café torrado pelo país.

 

Introdução

Em um passado não muito distante, os países produtores de café tendiam a privilegiar um paradigma centrado nas exportações, por sua capacidade de gerar receita cambial, e colocavam em segundo plano o mercado interno, o qual reduzia a disponibilidade de café para exportação. Um novo paradigma surgiu durante os anos 1990, o qual enfatizava o papel relevante do consumo interno no aumento da demanda, com impactos diretos sobre a estabilização dos preços, o aumento da renda do produtor e a agregação de valor. Esse movimento, em grande medida, se inspirou no extraordinário sucesso da indústria de torrefação brasileira, a qual instituiu programas pioneiros de promoção genérica e impulsionou a evolução de um mercado consumidor que veio a se tornar o segundo maior do mundo.

 

Fontes de dados

Os dados utilizados neste trabalho foram extraídos das estatísticas oficiais disponíveis no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Para maiores informações, consulte a Nota Metodológica[i].

 

Exigências para importação

Por ser um bem industrializado, a importação de café torrado não está condicionada ao cumprimento de requisitos fitossanitários específicos. No entanto, o café está sujeito a um imposto de importação. Com exceção das importações realizadas em regime de drawback, as quais estão isentas de tarifa de importação, a tarifa aduaneira externa comum (TEC) incidente sobre o café torrado é de 10%.[ii]

 

Volume total de importação

A importação de café torrado (NCMs 0901.21 + 0901.22) se manteve abaixo das 5 mil sacas anuais até 2008. A partir desta data, ela começou a crescer aceleradamente e atingiu um pico de 86 mil sacas em 2022. Houve uma queda de 5%, para 81 mil sacas, em 2023 (ver Gráfico 1). A participação do produto descafeinado (NCM 0901.22) é tímida, somando 2.914 sacas e equivalendo a 3,6% do total de café torrado importado em 2023.



Origem das importações

Em contraste com as importações de café verde, cujas fontes são restritas a três origens[i], as de café torrado apresentam uma procedência menos concentrada, originando em 26 países diferentes ao longo do período 1997-2023. No entanto, quatro países (Suíça. França. EUA e Itália) são responsáveis por mais de 80% do volume importado nos últimos anos (ver Tabela 1).




A Suíça é, de longe, a mais importante fonte de café torrado importado pelo Brasil, sendo responsável por 48% do total em 2023. No entanto, o desempenho desse país tem sido irregular nos últimos anos, sendo as 37.491 sacas registradas em 2023 o menor volume importado desde 2019.

A segunda fonte mais importante é a França, cujos volumes aumentam aceleradamente desde 2015, tendo atingido 16.869 sacas (21% do total) em 2023.

A Itália, terceira maior fonte de importação em 2023, trilha um caminho inverso e vem diminuindo sua participação no mercado brasileiro. Seu melhor desempenho ocorreu em 2015, quando enviou 16.300 sacas; em 2023, esse número havia caído para 5.878 (7% do total).

A quarta mais importante origem é os Estados Unidos, cujas cifras não apresentam qualquer tendência definida e alcançaram 4.179 sacas em 2023 (5% do total).

 

Análise

No artigo anterior, foram elencadas quatro razões que levariam um país produtor de café a importar o produto. Duas dessas— a garantia de abastecimento do mercado interno em casos de quebra de safra e o fornecimento de matéria prima ao mercado interno, com consequente liberação de café produzido localmente para ser exportado—não são relevantes para o caso da importação de café torrado pelo Brasil.

De fato, a explicação para essa importação parece ser uma mescla dos outros dois fatores: a disponibilização de formas de café que a indústria local é incapaz de produzir e a comercialização no mercado local de qualidades de café que não são produzidas no país.

No caso especifico do café torrado, a rápida evolução das importações desde 2008 sugere que essa expansão está intimamente ligada à explosão mundial de uma nova forma de preparo de café: as cápsulas (pods). As cápsulas abriram um novo segmento no mercado internacional de café torrado, o qual sempre foi inibido pelo fato de que o café torrado está sujeito a uma diminuição de suas qualidades organolépticas assim que deixa a linha de embalagem. Em contraste, a validade das cápsulas é muito mais longa, muitas vezes excedendo 12 meses.

O exemplo mais emblemático dessa nova tecnologia é a Nespresso, muito embora exista uma gama ampla de sistemas de preparo concorrentes com participações de mercado expressivas. No começo dessa época, a indústria brasileira não estava organizada para produzir o novo tipo de embalagem, tanto por falta de maquinário especifico quanto por barreiras de propriedade intelectual. Inicialmente, portanto, o mercado brasileiro de cápsulas foi principalmente abastecido por meio da importação.

Com o passar do tempo, o panorama mudou. O prazo de validade de várias patentes relativas ao sistema Nespresso expirou e outras patentes forma judicialmente anuladas, assim enfraquecendo as barreiras de propriedade intelectual. Ao mesmo tempo, a alta rentabilidade das cápsulas e o tamanho do mercado interno brasileiro, segundo maior do mundo, estimulavam o investimento em novos equipamentos de embalagem capazes de produzir pods. O resultado foi uma expansão notável na capacidade de produção de cápsulas no país. Assim sendo, é natural que a parcela do mercado ocupada pelo produto nacional tenha crescido e as importações de cápsulas tenham desacelerado nos últimos anos.

No entanto, a substituição do produto importado pelo produzido domesticamente tem claros limites. Como parte de sua estratégia de marketing internacional, certas empresas do setor têm um compromisso com oferecer a seus clientes, sob uma única marca, uma gama ampla de cafés de diversas origens, seja em forma de blend ou single origin. Nestes casos, existe uma decisão empresarial deliberada de centralizar a produção de cápsulas em um número reduzido de fábricas, que funcionam como um polo exportador e comercializam qualidades de café que não são produzidas nos diversos mercado consumidores.

Esta é a razão pela predominância da Suíça e França entre as origens da importação de café torrado pelo Brasil. Ambos países são os polos de exportação das duas maiores torrefadoras do mundo: Nestlé e JAB/Jacobs Douwe Egberts. A Nespresso, subsidiária da Nestlé, abastece seus clientes no mundo inteiro a partir de três fabricas na Suíça. Similarmente, a Douwe Egberts recentemente investiu US$130 milhões em melhorias na sua fábrica em Andrézieux, na França, base de suas operações internacionais de cápsulas e fornecedora do Brasil.

Nem todos os torrefadores adotam essa estratégia de centralização da produção de cápsulas. Uma das razões principais pelo declínio das importações pelo Brasil de café torrado da Itália é a instalação aqui de uma unidade fabril da Caffitaly em Montes Claros, MG, em 2017, a qual produz cápsulas comercializadas sob a marca Três Corações. No mesmo município, a própria Nestlé desde 2015 fabrica no Brasil as cápsulas do sistema Dolce Gusto.

A principal razão pela classificação dos Estados Unidos na quarta colocação entre as fontes de importações brasileiras de café torrado parece ser a presença no mercado nacional da Starbucks, que comercializa café principalmente em suas lojas, mas também em determinadas redes de supermercados.

 

Considerações finais

No passado, o comércio internacional de café torrado foi sempre tolhido pela questão da perecibilidade e perda de qualidade do produto após sua torra. O intercâmbio comercial ficava restrito a países vizinhos, como ocorre em partes da Europa. O advento das cápsulas, com sua maior longevidade, abriu um nicho nesse mercado e inaugurou uma era de exportação intercontinental de café torrado.

Neste contexto, um mercado do tamanho do brasileiro é bastante atraente, tão atraente a ponto de justificar a instalação de fábricas de cápsulas no país. De fato, a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) estima que o mercado de cápsulas no país cresceu em 19% em 2023. Hoje, as dezenas dessas fábricas em funcionamento no Brasil têm vantagens competitivas importantes, em termos de logística e custo operacional, sobre seus concorrentes externos. Então, as importações ficaram concentradas em empresas com forte poder de marca (branding) e tendem a crescer a uma taxa inferior à do passado, quando havia menos fábricas de cápsulas no país.

Mesmo se considerarmos que toda importação de café torrado seja em forma de cápsulas (uma estimativa otimista), em 2023 a participação do produto estrangeiro no mercado total de cápsulas foi inferior a 17% do total deste segmento, que engloba 479 mil sacas segundo a ABIC. Em relação ao consumo geral de café torrado no Brasil, estimado pela ABIC em 20,6 milhões de sacas, o produto importado equivale a menos de 0,4% do total.

Todos esses fatores sugerem que—a menos que apareça alguma inovação tecnológica que levante novas barreiras de propriedade intelectual ou que uma das torrefadoras gigantes decida instalar uma fábrica de cápsulas no Brasil e deixar de importá-las—, a importação de café torrado pelo Brasil deverá continuar a crescer a taxas modestas.

No próximo artigo, serão abordadas importações de café solúvel.

 


[i] Vietnã no caso do café verde não descafeinado e México e Alemanha no caso do descafeinado. Ver “Importação de café pelo Brasil nº 1: o caso do café verde”, disponível em https://www.settesentidos.com.br/post/importa%C3%A7%C3%A3o-de-caf%C3%A9-pelo-brasil-no-1-o-caso-do-caf%C3%A9-verde.


 
 

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