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IMPORTAÇÃO DE CAFÉ PELO BRASIL NO. 1: O CASO DO CAFÉ VERDE

  • flaviodsette
  • 21 de out. de 2024
  • 5 min de leitura
Uma pilha de sacos de café

Este trabalho, o primeiro de uma série de artigos ocasionais sobre o comércio exterior do café brasileiro, explora a evolução das importações de café verde pelo país. Em um passado não muito distante, os países produtores de café tendiam a privilegiar um paradigma centrado nas exportações, por sua capacidade de gerar receita cambial, e colocavam em segundo plano o mercado interno, o qual supostamente diminuía a disponibilidade de café para exportação. Um novo paradigma surgiu durante os anos 1990, o qual enfatizava o papel influente do consumo interno na estabilização dos preços e na agregação de valor. Em grande parte, esse movimento se inspirou no extraordinário sucesso da indústria de torrefação brasileira, a qual nutriu um mercado consumidor que veio a se tornar o segundo do mundo. Desde então, vários países produtores vêm mostrando uma evolução interessante em seus respectivos mercados internos.

Como parte desse processo, tornou-se cada vez mais comum o intercâmbio de café entre países produtores. Nesse novo paradigma, as importações cumprem uma ou mais das seguintes funções: (a) fornecer matéria prima ao mercado interno, assim liberando volumes da produção local para serem vendidos a preços mais altos no mercado internacional, exemplificado pela estratégia adotada pela Colômbia; (b) disponibilizar formas de café que a indústria local é incapaz de produzir, como acontece nos países da América Central, cujo mercado interno é, em grande parte, abastecido com café solúvel importado do México; (c) assegurar o abastecimento do mercado interno em casos de quebra de safra; e (d) permitir o acesso da indústria local a qualidades de café que não são produzidas localmente, assim possibilitando a comercialização de uma gama mais ampla de produtos, tanto no mercado interno quanto no externo conforme praticado por Colômbia, México, e Equador, entre outros.

No caso de alguns países produtores, as importações já representam uma parcela significativa de seus mercados, inclusive com uma participação destacada de café originado no Brasil, que embarcou mais de 2,6 milhões de sacas para esses destinos em 2023. Nesse ano, o Brasil exportou 1,16 milhão de sacas para a Colômbia, equivalentes a cerca de 10% da safra desse país. Por sua vez, as exportações para o México totalizaram 616 mil sacas, equivalentes a 15% de sua safra. Até mesmo o Vietnã foi destino de 186 mil sacas do Brasil, embora esse volume represente uma parcela relativamente pequena (inferior a 1%) da produção vietnamita.

Como se situa o Brasil neste quadro de mudança de paradigma? Essa é a questão que abordaremos neste artigo e em outros no futuro.

 

Dados

Os dados utilizados neste trabalho foram extraídos das estatísticas oficiais disponíveis no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Para maiores informações, consulte a Nota Metodológica[i].

Este artigo examina os dados referentes ao café verde, o qual a NCM desdobra nas posições 0901.11 (Café não torrado, não descafeinado) e 0901.12 (Café não torrado, descafeinado). Para facilitar a leitura, neste artigo o termo “café verde”, de uso mais comum no setor cafeeiro, será usado para se referir àquilo que o NCM denomina “café não torrado”.

Para assegurar a comparabilidade entre os volumes de diferentes formas de café (no caso atual, café verde vs. verde descafeinado), foram usados os fatores de conversão estabelecidos pela Organização Internacional do Café, um dos quais determina que o volume de café verde descafeinado deverá ser multiplicado por 1,05 para convertê-lo em café verde.

 

Exigências para importação

Segundo os dispositivos da Instrução Normativa nº 25 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, datada de 7 de abril de 2020, a importação pelo Brasil de espécies vegetais, suas partes, produtos e subprodutos, e outros artigos regulamentados está condicionada ao cumprimento de requisitos fitossanitários específicos estabelecidos por meio de Análise de Risco de Pragas (ARP). Essa exigência não se aplica a produtos que tenham passado por processamento industrial (como é o caso do café verde descafeinado) e que não têm “capacidade de estarem infectados ou infestados por pragas quarentenárias”, os quais estão dispensados da ARP. No caso do café, ARPs já foram realizadas no Peru[ii] (arábica) em 2015 e no Vietnã[iii] (canéfora) em 2017. Desde então, a importação de ambas origens está devidamente autorizada.

Além do cumprimento de requisitos fitossanitários, o café está sujeito a um imposto de importação. Com exceção das importações realizadas em regime de drawback, as quais estão isentas de tarifa de importação, a tarifa aduaneira externa comum (TEC) incidente sobre o café verde é de 10%.

 

Volume total de importação

Como seria de se esperar na ausência de um ambiente regulatório facilitador para o café verde, as importações foram praticamente nulas até 2016 (ver Gráfico 1). Após registrar volumes pequenos nos próximos três anos, a importação de café verde—tanto não descafeinado quanto descafeinado— começou a tomar vulto em 2020 e atingiu seu pico em 2023, quando foram importadas 109.080 sacas.



No caso do café verde não descafeinado (NCM 0901.11), o quadro começa a mudar em 2017 quando foram importadas 5.864 sacas do Vietnã, certamente um embarque exploratório no rastro da recente publicação da Instrução Normativa que autoriza a entrada de cafés provenientes daquele país. Seguiram-se quatro anos de movimento baixíssimo, marcados apenas pela importação de um contêiner (333 sacas) daquela mesma origem em 2020. Entretanto, nos últimos dois anos, as importações do Vietnã subiram acentuadamente, totalizando 69.585 sacas em 2022 e 84.481 em 2023 (ver Tabela 1).




As importações de café verde descafeinado (NCM 0901.12) também só ganharam maior dinamismo no passado recente, mais precisamente a partir de 2018. Desde então, o total importado tem oscilado bastante, variando entre um mínimo de 840 sacas em 2019 e um máximo de 41.717 sacas em 2021. Os dois principais fornecedores são o México e a Alemanha (ver Tabela 2).




Considerações finais

As importações de café verde pelo Brasil estão em nível relativamente baixo em comparação com a produção do país, tendo o volume importado em 2023 sido inferior a 110 mil sacas, equivalente a menos de 0,2% da safra nacional de 2022/23. A esses níveis, elas não têm capacidade de exercer uma influência significativa, seja positiva ou negativa, sobre o mercado interno.

A grande incógnita é como essas importações se comportarão no futuro. No caso do café verde descafeinado, a demanda contínua e estável pelo produto sugere que existe uma lacuna na capacidade da indústria brasileira de oferecer esse produto. Enquanto esta lacuna não for preenchida, as importações deverão manter-se. No caso do café verde não descafeinado, a forte alta das cotações do café, nos últimos meses, tornam improvável que as importações do Vietnã se mantenham em níveis tão elevados quanto as de 2022 e 2023. Na verdade, o último lote importado chegou em junho de 2023, mais de um ano atrás. Desde então, não houve registro de importação deste tipo de café.

Mais importante do que os volumes a serem importados no futuro imediato é o fato de que estas importações já ocorreram em uma escala relativamente grande. Isso constitui uma demonstração da existência de uma mudança de paradigma significativa e indica que a indústria nacional já possui experiência neste tipo de operação e saberá como recorrer às importações no futuro, caso necessário. Deve-se levar em conta, porém, que qualquer importação de origens que não o Vietnã e Peru será condicionada ao longo e oneroso processo de aprovação do ARP.


[ii] Instrução Normativa SPA nº 6, de 29 de abril de 2015.

[iii] Instrução Normativa SPA nº 7, de 17 de fevereiro de 2017.

 
 

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